Hemoglobinúria Paroxística Noturna Revisitada em 2009 da análise de 38 casos em1995

Vera Neves Marra

Maria Tereza Machado de Paula

Heloisa Helena Arantes Gallo da Rocha

 

 

 

ABSTRACT

Thirty eight cases of Paroxysmal Noturnal Hemoglobinuria were studied from 1966 to 1995. Twenty six were male and twelve were female,. The patients aged from 5 to 68 years old (median: 34 years old).

It was observed that the most common clinical manifestation were symptoms correlated to anemia, as pallor (92%), fatigue (50%) and emission of dark urine (37%). Thirteen patients (34%) had previously another disease (10 had aplastic anemia,2 had  autoimmune hemolytic anemia and 1 had agnogenic metaplasia myeloid.

It was observed that the majority of the patients presented severe or moderate anemia . The median level of hematological parameters were: Ht : 22%, leukocytes :3.2 x 109 /L, platelets:73 x 109 /L. Nine cases presented in their evolution with eritrocytic antibodies (24%) . We suppose that these findings may turn more difficult to arrive to correct diagnostic of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria.

The most common evolution complication was intermittent hemolytic crisis (observed in 61% of the patients). The second  most common evolution complication was infectious disease. The most common causa mortis was thrombotic or hemorrhagic complications (8%).

 

INTRODUÇÃO

A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma síndrome clonal da medula óssea, caracterizada pela produção anormal de células hematopoiéticas que exibem  uma especial sensibilidade ao complemento sérico.

Esta doença se manifesta geralmente com anemia hemolítica intravascular, de caráter adquirido, insuficiência da medula óssea caracterizada por alterações nas linhagens granulocítica e plaquetária e tromboses venosas (7).

A síndrome foi descrita por primeira vez por Strubing ao observar um paciente que apresentava episódios de crises caracterizadas por palidez cutânea mucosa e emissão de urinas escuras, melhor observadas ao acordar. O autor acreditava que o defeito consistia em hemácias anormais que ao passarem pelos rins eram destruídas, dando origem as urinas escuras que correspondiam a hemoglobinúrias. (18)

A primeira evidencia laboratorial da anormalidade eritrocitária foi assinalada por Hijmas van der Berg, em 1911, quando incubou as hemácias de um portador desta anomalia acima descrita, que por ora era chamada de icterícia paroxística, com soro fisiológico e dióxido de carbono o que levou à hemólise in vitro.Outros trabalhos se seguiram, os mais importantes foram os de Marchiava e Micheli em 1931quando identificaram grânulos de hemossiderina na urina de pacientes com esta patologia. Em 1939 Dingle e Ham sugeriram a participação do complemento sérico nesta patologia, pois identificaram a necessidade de um meio ácido para o desencadeamento da hemólise. Este teste tornou-se então o marcador biológico da doença. Estudos posteriores elucidaram com maior clareza o papel do complemento no processo hemolítico e não a presença de um anticorpo, como acreditava Thomas Ham.O diagnóstico passou a se basear no resultado da citometria de fluxo que permite quantificação direta das células GPI-AP deficientes(7)

Nas décadas de 60 e 70, muitos estudos demonstraram a presença de populações celulares  distintas, no que se refere à sensibilidade ao complemento. Estas populações foram então identificadas como células HPNI,II e III, dependendo da maior ou menor sensibilidade ao complemento.(18)

Mais recentemente outros estudos foram realizados no sentido de definir com maior precisão o defeito molecular da membrana celular do clone HPN.

Atualmente sabe se  que a HPN é ruma doença adquirida rara acometendo as células  tronco hematopoiéticas.Ocorre uma mutação somática num gem ligado ao cromossoma X ,fosfatidil-inositol glican classe A (PIG-A) responsável pela deficiência das proteínas glicosil-fosfatidil-inpositol (GPI-AP) que ficam na membrana das células. Estas proteínas fazem parte das proteínas reguladoras do complemento (CD59). A falta dessas proteínas provoca a hemólise (6).A

 Apresentação da casuística:

Foi feito um estudo retrospectivo no qual foram analisados todos os casos de HPN matriculados no Instituto Estadual de Hematologia (IEHASC) de 1966  a 1995.

Foram estudados 38 prontuários dos quais foram extraídos dados relativos ao quadro clínico e laboratorial ã época do diagnóstico de HPN, dados evolutivos, complicações, causa mortis e sobrevida.

O teste de Ham era então, a única forma de se fazer o diagnóstico de HPN, e foi  considerado como pré requisito indispensável para a inclusão dos casos neste levantamento.Os casos cujo diagnóstico de HPN não foram baseados nos resultados deste teste foram descartados.

 

A tabela 1 mostra a casuística estudada e suas características

N

Ident

matric

sexo

Raça

idade

natural

GS

1

RBA

282

m

B

29

RJ

A+

2

GRN

1360

f

B

21

RJ

B+

3

ENA

1614

f

N

37

RJ

A+

4

PSL

2014

m

B

22

MG

A+

5

MACB

2174

m

B

07

RJ

A+

6

AA

2424

m

B

44

ES

-

7

MLAA

3409

f

B

18

RJ

A+

8

MCC

3961

m

B

53

RJ

A-

9

OS

4628

m

B

68

RJ

O+

10

MFJ

4674

f

B

21

CE

-

11

SCS

4905

m

N

32

RJ

A+

12

WB

4985

m

B

30

SC

A-

13

SN

5068

m

B

47

RJ

B+

14

FRS

5436

m

N

48

CE

A+

15

STF

5697

m

B

22

RJ

-

16

ACR

5827

f

B

52

RJ

A+

17

AJM

6652

m

B

57

PT

AB-

18

NCS

7284

f

N

13

RJ

A+

19

ACL

7528

f

B

62

MG

O+

20

JC

7714

m

B

40

ES

-

21

JJS

8852

m

N

38

PE

A+

22

EVR

9161

f

B

45

RJ

O+

23

JF

9225

m

N

25

RJ

O+

24

FCAS

9296

m

B

20

CE

O-

25

DPS

9540

f

B

21

RJ

O+

26

LCR

10595

m

N

23

RJ

B+

27

DMA

11277

m

B

67

RJ

B+

28

GBC

11642

f

B

55

MG

AB+

29

TBF

11973

m

B

61

BA

-

30

NWF

12026

m

B

33

RJ

A+

31

CMR

12122

m

N

34

RJ

-

32

EC

12585

m

N

40

ES

O+

33

VGMS

13023

f

N

25

RJ

AO+

34

WCC

13315

m

B

58

RJ

O+

35

WSR

14352

m

N

12

RJ

B+

36

PPT

14488

f

B

11

RJ

A+

37

TRF

14749

m

N

34

RJ

O+

38

EV

15361

m

N

42

RJ

A+

 

Resultados:

Idade, sexo e raça. Notamos um predomínio do sexo masculino, numa relação de 2,1 homens para cada mulher acometida. A idade à época do diagnóstico variou entre 7 e 68 anos, com uma média de 36 anos. A maior prevalência ficou entre 22e 50 anos de idade (53% da população). Os brancos foram mais acometidos (66%).

Grupo sanguíneo e fator Rh: A maior parte dos casos pertenceu ao grupo A positivo (44%), seguida do grupo 0 positivo(25%).

Queixas clínicas: A queixa principal mais freqüente foi a palidez cutâneo mucosa, referida em 35 casos (92%), seguida de astenia e fadiga, apontadas pela metade dos pacientes. A mudança na coloração da urina não foi predominante pela manhã.Tonteiras lipotímias ou desmaios foram referidos por 26% dos casos e equimoses em 21%.Outros sinais e sintomas tais como emagrecimento, gengivorragia, petéquias e infecções de repetição foram mais raros na apresentação da doença.66% dos pacientes referiram sintomas de hemólise (palidez, icterícia, urinas escuras e fadiga).

Ao exame clínico o sinal mais observado foi a palidez cutâneo mucosa, seguido pela icterícia. A esplenomegalia foi observada em  cerca de 30% dos pacientes.
Diagnóstico: O tempo médio decorrido entre o início dos sintomas e o diagnóstico de HPN foi de 17,7 meses, com um mínimo de 16 dias e um máximo de 194 meses. O tempo médio ficou em 8 meses de doença antes do diagnóstico Dez pacientes vinham em tratamento para aplasia de medula óssea. O teste de Ham/Sacarose eram  negativos até que se positivaram e se pode fazer o diagnóstico de HPN. Um dos casos (caso 15) chegou ao Hospital com diagnóstico de anemia hemolítica auto imune (AHAI) secundário a sífilis e por 6 anos recebeu transfusões de repetição, identificando-se no estudo de painel de hemácias a presença de um anticorpo a frio que foi interpretado como auto imune.O tempo médio de casos acompanhados com outras doenças até se chegar ao diagnóstico de HPN foi de cerca de 2 anos.

 

 

Laboratório:Ht menor que 25% em 23 casos, entre 25 e 30% em 8 casos e acima de 30% em 6 casos.O aumento do número de reticulócitos foi observado em 20/30 casos(67%), com uma média de 4% de reticulócitos.

A leucometria variou entre 1.100 leucócitos a 18.300 ,leucócitos por mm3, média de 3.200/mm3.A maioria dos pacientes apresentava plaquetopenia com uma média de 73.000/mm3. O aumento de bilirrubina indireta foi variável  principalmente entre 0,5 a 2,0 g/dl em cerca de 60% dos casos.A punção e/ou biópsia de medula óssea foi realizada em 28 casos e em nenhum se mostrou normal.A megaloblastose foi observada em 8/28 casos; aplasia 4/28 e hiperplasia eritróide  2/28 casos .

Evolução: A forma evolutiva mais comum (em 23 casos) foi a de crises hemolíticas de repetição, com múltiplas necessidades transfusionais, icterícia, urinas escuras e sintomas referentes a anemia.Oito casos apresentaram  episódios  hemorrágicos  intensos (equimoses,hematúria,hemorragia cerebral e hematúria). Sete casos apresentaram tromboses visíveis, 2 casos com síndrome de Budd Chiari.

Nenhum caso evoluiu para leucemia aguda. O Quadro 4 mostra a evolução e complicação dos casos.O estudo imunohematológico foi positivo em 9 casos(23,6%). Em 4 casos o anticorpo era a frio.

Nove pacientes evoluíram para o óbito, quatro devido a hemorragia digestiva, 3 devido a sepse,1 por acidente vascular cerebral e 1 por síndrome de Budd Chiari. A sobrevida média destes casos foi em torno de 9 anos. Deste grupo que evoluiu para o óbito 4 apresentaram doença prévia, 3 de anemia aplástica e 1 de metaplasia mielóide agnogênica .

DISCUSSÃO:

A HPN é uma doença clonal que compromete a célula tronco da medula óssea. Na HPN há uma grande população de células hematopoiéticas com esta mutação adquirida, ligada ao cromossoma X gem  PIG-A (12)Este gem é o marcador da população mutante que é referido como clone HPN,que tipicamente coexiste com células tronco normais nos pacientes, com uma freqüência variável, tipicamente de 10 até 90%(6) Entretanto existem clones mutantes muito pequenos PIG-A  em indivíduos sadios sem nenhuma expansão clonal.(1,4,23)

Essencialmente todos os pacientes com a HPN clássica descreve hemoglobinuria grosseira em algum ponto durante a evolução de sua doença,mas este sintoma pode estar ausente em pacientes com HPN/anemia aplástica ou HPN/ anemia refratária- síndrome mielodisplásica porque o tamanho do clone é relativamente pequeno(12) Como a hemólise é mediada pelo complemento é um evento intravascular,todos os pacientes com hemólise significativa tem LDH sérica anormalmente alta.

Antes de se iniciar um tratamento deve-se tentar determina quanto de hemólise está causando a anemia e quanto é devida a eritropoiese ineficaz. Na nossa casuística  predominou o quadro hemolítico

A revisão do hemograma informa uma vez que a trombocitopenia, leucopenia, ou ambas sugerem disfunção da célula mãe.A capacidade da medula óssea responder a anemia pode ser inferida pela contagem de reticulócitos que na nossa casuística esteve em torno de 4%.A contagem de reticulócitos anormalmente baixa num paciente com HPN é significativo de disfunção da medula óssea e em 40% dos nossos pacientes houve um quadro de aplasia.

 

Os parâmetros bioquímicos devem ser seguido e e uma elevação mínima da LDH ou uma normalidade não indica hemólise como maior contribuição para a anemias. A presença de hemossiderina na urina sugere hemólise intravascular crônica. (24)

A concentração de eritropoietina deveria ser determinada  porque a insuficiência renal pode complicar uma HPN, embora dentre os nossos pacientes não tenhamos observado nenhum caso de insuficiência renal crônica(2) A deficiência de ferro devido a hemossiderinúria/hemoglobinúria é comum.(7)

Os pacientes que tiveram hemólise importante levando a anemia foram tratados pois caso contrário ele poderá apresentar sintomas como letargia, mal estar e isto foi observado em 92% dos pacientes. A disfagia e impotência no homem com HPN parecem estar correlacionadas com a hemólise (24) porém nosso estudo foi retrospectivo e não encontramos descrição destes sintomas nos prontuários estudados.  

O agente terapêutico mais indicado  parece ser o eculizumab(8,13)  mas não deve ser a opção para todos os pacientes  devido a toxicidade. À época da feitura deste trabalho não contávamos com este medicamento.

Corticosteroides. O uso de corticosteroides como tratamento para a hemólise crônica e exacerbações hemolíticas  agudas, (2,10,18,20)é um assunto de debate,e alguns membros do International PNH Interest Group não advogam o uso de esteróides na HPN em nenhuma circunstancia.Na verdade, não existem dados que sejam favoráveis ao uso do esteróide para melhorar a hemólise neste tipo de paciente.Apesar de alguns pacientes responderem rapidamente ao glicocorticóide (dado na dosagem entre 0.25-1.0 mg/kg por dia de prednisona).A resposta rápida(dentro de 24 horas após o início da terapia) sugere que a inibição do complemento é a responsável pela atividade anti-hemolítica do corticóide.O principal valor do corticóide pode ser na atenuação das exacerbações agudas de hemólise. Não se deve utilizar o corticóide cronicamente pela sua toxicidade.Um esquema de corticóide em dias alternados pode atenuar alguns dos efeitos adversos  do uso crônico do esteróide.(10) Deve-se ter cuidado com a profilaxia antibacteriana e contra a osteopenia.Deve-se ficar atento ao  desenvolvimento de miopatia e da síndrome de  Cushing.Nossos pacientes receberam corticosteróide (prednisona) durante as crises de hemólise com boa resposta. Na manutenção a maioria dos pacientes recebeu  terapia com androgênio só ou em combinação com esteróides, em acordo com o tratamento empregado na literatura .(18) O mecanismo pelo qual o androgênio melhora a anemia da HPN não é totalmente conhecido embora o rápido início de ação seja consistente com a inibição do complemento(20).

As complicações da terapia com androgênios são a toxicidade hepática (icterícia colestática), hipertrofia prostática e efeitos virilizantes.A toxicidade é menor com androgênios atenuados como o Danazol,tornando o uso deste medicamento a longo prazo uma opção razoável. Deve-se iniciar com uma dose de 400 mg duas vezes ao dia, porém com doses menores (200-400 mg/d) pode-se conseguir um controle clinico adequado da hemólise.Nossos pacientes que apresentavam alterações tipo mielodisplasia receberam tratamento com Danazol, todos com  boa resposta clínica(7).

 Os pacientes com HPN freqüentemente se tornam deficientes de ferro tanto pela hemoglobinúria como pela hemossiderinuria. A hemossiderinúria é a causa das urinas escuras observadas em 37% dos nossos pacientes. (7) Apesar do uso do ferro geralmente levar a uma exacerbação da hemólise, em alguns casos fomos obrigados a fazer uso do mesmo. Esta exacerbação de hemólise tem sido descrita em qualquer que seja a via de administração. Se comparado  com a via parenteral, a via oral leva a menos hemólise.(7)

A maioria de nossos pacientes receberam transfusões múltiplas  apresentando complicações transfusionais. Além de melhorar a anemia a transfusão melhora a hemólise pela supressão da eritropoiese.

A suplementação de folato (5 mg/d)  foi feita em  todos os pacientes estudados como é recomendado para aqueles com HPN  afim de compensar sua utilização pela medula óssea hipercelular devido a hemólise(21. A hemólise da HPN é devido a citólise mediada pelo complemento, portanto sua inibição é uma tratamento lógico(13) Recentemente foi publicado  um estudos fase 2 utilizando um anticorpo monoclonal humanizado contra o complemento C5 (eculizumab)para tratar pacientes com HPN (8). Ficou documentado, no estudo citado que se consegue, na maioria dos pacientes  um controle nos sinais e sintomas decorrentes da hemólise e uma importante melhora na qualidade de vida.Não foram observados efeitos adversos significativos.É evidente que não dispúnhamos deste medicamento à época em que foi feito este trabalho e que os pacientes foram diagnosticados (de 1966 na 1995).

A anemia não hemolítica que ocorre na HPN  é devida a insuficiência da medula óssea (anemia aplástica e SMD).Se uma deficiência absoluta ou relativa de eritropoietina contribua para a anemia, a terapia substitutiva está indicada. A suplementação de eritropoietina pode causar hemólise pelo aumento da produção das hemácias deficientes de GPI-AP. Os androgênios  podem também serem empregados no caso de medula óssea hipoproliferativa, como descrito acima(22)

 Os 220 pacientes com HPN do registro da French Society of Hematology representa o maior grupo de HPN (20) Embora o estudo francês tenha apresentado uma sobrevida media de 12 anos o estudo identificou fatores de risco associados com um pior prognóstico. Embora alguns fatores sejam de pouca ajuda na decisão de fazer-se ou não o transplante, por exemplo, nos pacientes com mais de 55 anos de idade, outros riscos relativos de morte podem servir de  guia. Existem quatro fatores associados com pior sobrevida: (1) evidencia de trombose (qualquer que seja a localização; (2) progressão da pancitopenia ; (3) transformação para SMD ou leucemia aguda;e (4) trombocitopenia ã época do diagnóstico.  (20)Existem  muitas questões importantes não resolvidas quanto ao transplante de medula óssea na HPN. Nenhum de nossos casos foi submetido a transplante.

Quanto ao sexo houve predomínio de diagnóstico na população masculina, em desacordo com a  literatura ocidental, mas em concordância com a população chinesa (12).Quanto a faixa etária nossos dados são concordantes com os da literatura médica (24)Nossos pacientes foram diagnosticados pelo teste de Ham Embora sua importância histórica o teste do soro acidificado (teste de Ham) e o teste da lise da sacarose foram  atualmente abandonados como ferramentas para se fazer o diagnóstico de HPN porque é menos sensível e menos quantitativo do que a citometria de fluxo, porém era o único método disponível à época.

 A citometria de fluxo é mais do que binária ( positive ou negativa).Além de identificar uma população de células deficientes GPI-AP,a análise pode determinar o percentual de células que são anormais e identificar populações discretas com graus diferentes de deficiência (principalmente nas hemácias)(14). As hemácias com deficiência complete de  GPI-APs são chamadas de HPN III, aquelas com deficiência subtotal (geralmente  ~10% de expressão normal)são chamadas de HPN II e aquelas com expressão normal são chamadas de HPN (9)I.Sabendo-se tanto o percentual e o tipo de células deficientes nas hemácias é importante no tratamento da anemia da HPN.Uma transfusão recente de concentrado de hemácias de pelo menos um mês  não mascara o diagnóstico de HPN, mas o histograma da citometria de fluxo irá ficar afetado se o paciente recebeu transfusão, já que esta irá aumentar a proporção de células com expressão normal de CD55 e CD59. Deve-se, portanto evitar transfusão cerca de pelo menos um mês antes de se fazer este estudo.(1,6,16)

O estudo morfológico do aspirado da medula óssea e a biópsia e a citogenética são necessárias para uma classificação mais adequada da HPN já que esta doença é freqüentemente observada com insuficiência da medula óssea (18) . Na nossa casuística notamos hipoplasia ou aplasia em cerca de 40% dos casos.

A trombofiliaem muitos trabalhos é relatada como a principal causa de morte na HPN(11,15)Os estudos clínicos recentes tem mostrado que a probabilidade de eventos tromboembólicos está diretamente correlacionado com o tamanho do clone HPN num dado indivíduo(23) No estudo feito por  Hall & col.(6) os 10 anos de risco de trombose em pacientes com  mais de 50% de granulócitos deficientes de GPI-AP foi de 44% comparado com 5.8% para pacientes com  menos de 50%Na casuística brasileira encontramos episódios trombóticos em 8% dos pacientes, menor que a geral da literatura médica porém comparável com o grupo de pacientes com HPN com clones HPN em  menor quantidade. Se não levarmos em consideração o tamanho do clone deficiente,(23) a prevalência de trombo-embolismo (~2%)entre os pacientes do Japão, China e Mexico parece ser mais baixa do que aquela observada em pacientes dos Estados Unidos e da Europa.A nossa casuística ficou no meio termo,isto é menor que dos Estados Unidos e Europa e maior que a do Japão, China e México(7,24)

 Os eventos trombo embólicos nos pacientes com HPN geralmente são venosos.Os agudos requerem  uso de heparina. A terapia trombolítica(19) ou a intervenção radiológica (5)deve ser pensada em se tratando de início agudo de síndrome de  Budd-Chiari.A trombocitopenia é uma contra indicação relativa mas não absoluta à anticoagulação(15) Os pacientes com HPN que apresentam um episódio trombo embólico deve ser mantido com anticoagulação por tempo indefinido.Atualmente os pacientes com recidivas de episódios trombo embólicos devem ser considerados para o transplante de células tronco ou do uso de inibidores como eculizumab  no tratamento da trombofilia.

Gravidez: A mulher com HPN pode apresentar morbidade importante com aumento da mortalidade  durante a gravidez(22) Uma revisão retrospectiva demonstrou que em 25% dos casos, o diagnóstico de HPN  foi feito durante a gravidez. Neste estudo, foi descrita uma alta taxa de mortalidade ( 21%).A mulher com HPN que apresenta hemólise ou insuficiência da medula óssea com  anemia,freqüentemente  piora durante a gravidez.(15,22) Durante a gravidez o tratamento é feito principalmente através de transfusão de sangue. A anticoagulação com heparina de baixo peso molecular deve ser iniciada logo que se sabe que a paciente está grávida.Durante o parto a anticoagulação deve ser parada brevemente para ser reiniciada em torno de 6 semanas após o nascimento do bebe.(15) Deve-se preferir parto normal, sempre que possível.

Tivemos um caso de paciente com HPN (caso 25) que engravidou.

A  paciente foi matriculada em 1985, com 21 anos de idade , que o quadro inicial foi de anemia aplástica. Cerca dois meses após a primeira consulta teve o teste de Ham positivo e obteve remissão parcial da aplasia medular com oximetolona e prednisona. Usou Danazol posteriormente, porém apresentou distensão abdominal com a medicação suspendendo-a por conta própria. Em agosto de 1996 ficou grávida e com 11 semanas de gravidez apresentou-se ao ultra-som com fígado aumentado de tamanho. Em novembro do mesmo ano internou-se com aumento de volume abdominal: ascite com circulação colateral em “cabeça de medusa” (obstrução de veia porta) Foi iniciado heparina de baixo peso molecular.Suas bilirrubinas estavam: 4,1 (Direta: 2,3; Indireta: 1,8).Havia aumento discreto das transaminases.Recebeu alta melhorada. Apresentava alo antiocorpo com especificidade Anti E.A paciente evoluiu com aumento da ascite e piora do quadro, tendo sido internada em 21/02/97 na Unidade Materno Infantil do Hospital dos Servidores do Estado, com sangramento vaginal discreto. Apresentava-se em fase terminal fetal, segundo a ginecologista com batimentos cárdio fetais de  88, quase inaudíveis. No dia seguinte foi submetida à indução do parto dando a luz a feto morto. Recebeu transfusão de 1 concentrado de hemácias. Permaneceu em anticoagulação come warfarina sódica.Além da grave hipertensão porta a paciente estava intensamente abatida pela perda do filho.  Evoluiu para o óbito em março de 1997.

Alguns pacientes com HPN queixam-se de freqüentes dores abdominais do tipo cólicas. A causa dessas provavelmente é por trombose dos vasos mesentéricos ou espasmo vascular.

Conclusões: Nossos achados sugerem que a HPN em nosso meio é mais freqüente em homens, comprometendo uma população discretamente mais jovem do que aquela apontada pela maioria dos autores. O quadro clínico de AHAI  pode simular o de HPN sendo interessante que se faça o estudo da citometria de CD55 e CD59 para afastar o diagnostico de HPN

  1. Araten DJ, Nafa K, Pakdeesuwan K, Luzzatto L. Clonal populations of hematopoietic cells with paroxysmal nocturnal hemoglobinuria genotype and phenotype are present in normal individuals. Proc Natl Acad Sci U S A. 1999;96: 5209-5214
  2.  Bourantas K. High-dose recombinant human erythropoietin and low-dose corticosteroids for treatment of anemia in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Acta Haematol. 1994;91: 62-65.
  3. -Clark DA, Butler SA, Braren V, Hartmann RC, Jenkins DE Jr. The kidneys in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 1981;57: 83-89.
  4. -Dacie JV, Lewis SM. Paroxysmal nocturnal haemoglobinuria: clinical manifestations, haematology, and nature of the disease. Ser Haematol. 1972;5: 3-23.
  5. -Griffith JF, Mahmoud AE, Cooper S, Elias E, West RJ, Olliff SP. Radiological intervention in Budd-Chiari syndrome: techniques and outcome in 18 patients. Clin Radiol. 1996;51: 775-784.
  6. Hall SE, Rosse WF. The use of monoclonal antibodies and flow cytometry in the diagnosis of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 1996; 87: 5332-5340.
  7. Hartmann RC, Jenkins DE Jr, McKee LC, Heyssel RM. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: clinical and laboratory studies relating to iron metabolism and therapy with androgen and iron. Medicine (Baltimore). 1966;45: 331-363.
  8. Hillmen P, Hall C, Marsh JC, et al. Effect of eculizumab on hemolysis and transfusion requirements in patients with paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. N Engl J Med. 2004;350: 552-559.
  9. Hu R, Mukhina GL, Piantadosi S, Barber JP, Jones RJ, Brodsky RA. PIG-A mutations in normal hematopoiesis. Blood. 2005;105: 3848-3854.
  10. Issaragrisil S, Piankijagum A, Tang-naitrisorana Y. Corticosteroids therapy in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Am J Hematol. 1987;25: 77-83.
  11. - McMullin MF, Hillmen P, Jackson J, Ganly P, Luzzatto L. Tissue plasminogen activator for hepatic vein thrombosis in paroxysmal nocturnal haemoglobinuria. J Intern Med. 1994;235: 85-89.
  12. Miyata T, Takeda J, Iida Y, et al. The cloning of PIG-A, a component in the early step of GPI-anchor biosynthesis. Science. 1993;259: 1318-1320.
  13. - Parker CJ. An overview of the development of specific inhibitors of complement: opportunites for therapy of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. In: Omine M, Kinoshita T, eds. Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria and Related Disorders: Molecular Aspects of Pathogenesis. Tokyo: Springer; 2003: 11-23.
  14. -Prince GM, Nguyen M, Lazarus HM, Brodsky RA, Terstappen LW, Medof ME. Peripheral blood harvest of unaffected CD34+ CD38 hematopoietic precursors in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 1995;86: 3381-3386.
  15. -Ray JG, Burows RF, Ginsberg JS, Burrows EA. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria and the risk of venous thrombosis: review and recommendations for management of the pregnant and nonpregnant patient. Haemostasis. 2000;30: 103-117.
  16. Richards SJ, Rawstron AC, Hillmen P. Application of flow cytometry to the diagnosis of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Cytometry. 2000;42: 223-233.
  17. Rosse WF. Treatment of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 1982;60: 20-23.
  18. Rosse WF. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. In: Hoffman R, Benz EJ, Shattil SJ, et al, eds. Hematology: Basic Principals and Practice (3rd ed). New York: Churchill Livingstone; 2000: 331-342.
  19. Sholar PW, Bell WR. Thrombolytic therapy for inferior vena cava thrombosis in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Ann Intern Med. 1985;103: 539-541.
  20. - Socie G, Mary JY, de Gramont A, et al. Paroxysmal nocturnal haemoglobinuria: long-term follow-up and prognostic factors. French Society of Haematology. Lancet. 1996;348: 573-577.
  21. Storb R, Evans RS, Thomas ED, et al. Paroxysmal nocturnal haemoglobinuria and refractory marrow failure treated by marrow transplantation. Br J Haematol. 1973;24: 743-750.
  22. Tichelli A, Socie G, Marsh J, et al. Outcome of pregnancy and disease course among women with aplastic anemia treated with immunosuppression. Ann Intern Med. 2002;137: 164-172
  23. Wang H, Chuhjo T, Yasue S, Omine M, Nakao S. Clinical significance of a minor population of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria-type cells in bone marrow failure syndrome. Blood. 2002;100: 3897-3902.
  24. - Zhao M, Shao Z, Li K, et al. Clinical analysis of 78 cases of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria diagnosed in the past ten years. Chin Med J (Engl). 2002;115: 398-401.

 

 

 

* Diretora de Divisão Técnica do Instituto Estadual de Hematologia do Rio de Janeiro

** Chefe do Serviço de Hemoterapia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro

*** Médica do Serviço de Hemoterapia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro- aposentada

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS